quinta-feira, dezembro 29

Sobre mulheres e cigarros


    Gioavanna já era mulher na época em que eu era um garoto babaca e besta. Loira tingida, mais baixa que a média, era minha grande conquista – aos sábados, aparecia de repente em casa, de carro, para que fossemos beber cerveja em um boteco qualquer – e, ao mesmo tempo em que, aos dezessete, possuir uma mulher com vinte e dois me deixava com a sensação de ser mais adulto e mais homem do que eu era de verdade, a beleza estonteante daquela mulher me deixava inseguro e apreensivo como se eu fosse ainda mais juvenil do que eu realmente era. Foi Giovanna quem me ensinou a apreciar o gosto de nicotina em sua boca sempre ligeiramente adocicada e me ensinou todos os caminhos para dar o máximo de prazer a uma mulher. Após alguns meses, fui trocado por um fumante doze anos mais velho que eu, dono de uma bela motocicleta estilo chopper.
    Esta mulher me marcou de um jeito que durante anos eu preferia as fumantes, para apreciar a nicotina através das bocas das mulheres ou, hoje eu sei, sentir novamente o gosto de Giovanna.
    Muitos anos depois, conheci Bernadete. Linda, loira de olhos verdes, era uma simples menina, nada inocente, porém, enquanto eu já era um homem feito, embora ainda mais babaca e infantilmente besta. Eram doze anos de diferença. Eu continuava sendo um não fumante amante do adocicado gosto de nicotina em bocas femininas e Bernadete estava sempre com um cigarro aceso em mãos. Fumava e segurava o cigarro de um jeito incrivelmente sexy. Era uma verdadeira Pin-Up, que me fazia babar com incrível facilidade. Amei aquela menina como qualquer coroa em crise de meia idade ama uma pós-adolescente e, definitivamente, viciei naquele sabor e na fumaça, que frequentemente me envolvia.
    Quando fui trocado por um cara da minha altura, da minha idade e ruivo como eu, porém fumante, percebi que não tardaria para que eu finalmente acendesse meu primeiro cigarro. E esse momento veio graças a Roberta, uma prostituta aposentada, vingativa, que quase nunca me beijava – resquícios da época de vida nada fácil que levara, onde adquiriu o hábito de não beijar nunca –, impedindo assim que eu alimentasse o vicio que adquirira sobre o sabor da nicotina. Tal abstinência somada a seus rompantes de fúria e estupidez, que me deixavam extremamente tenso, colocaram o primeiro cigarro em minha mão, em minha boca, e fez meu mundo mudar. Eu encontrei a paz, o paraíso, a divindade. Passei a sentir em minha própria boca o adocicado gosto e não mais consegui sentir com a mesma intensidade que antes o gosto da nicotina nas bocas que eu beijava rua afora.
    Talvez por isso, cheguei até Julieta, jovem e atlética, toda dura e firme, ex-fumante e viciada em sexo, que tentava a todo custo me convencer a não fumar, afinal todo ex-fumante é assim mesmo chato e, sendo honesto, meu fôlego, um pouco por causa do cigarro e outro tanto pelo sedentarismo, impedia que eu rendesse, sexualmente, claro, o tanto quanto ela precisava para alimentar seu vício. Seu desespero chegou a um nível que ela impôs uma espécie de greve de beijo caso eu chegasse perto dela logo após um cigarro. E aqui cabe uma menção honrosa à boca de Julieta. A boca dela era divina, fosse me beijando, fosse meu chupando, de um jeito que me dá saudades sempre que penso nela.
    Tathiane, a segunda loira tingida da minha vida – mas esta porque que tinha a mesma idade que eu, e os cabelos brancos afetavam seu ego –, já mulher robusta, completamente doida na cama, adepta do BDSM, e fumante, tem na boca aquele gosto de nicotina no qual viciei. Sempre que saíamos para beber, ela parava de falar no exato momento em que eu acendia um cigarro. Seus olhos brilhavam e ela se excitava. Adorava me ver fumando. Dizia que fico incrivelmente sexy.
    Ela também adorava o gosto de nicotina na minha boca e gostava que eu fizesse marcas de cigarro em suas costas quando me chupava.
    Pauline, morena de olhos verdes, alta, com quadril largo, cintura fina e os peitos mais lindos que eu já vi na vida, é uma perdição em forma de mulher e, por algum motivo que nunca entendi qual, era completamente louca por mim e até hoje me idolatra. Tingia o cabelo de loiro só para me agradar. Costumava viajar quilômetros só para termos uma noite de sexo. Quando me via, não conseguia parar de me beijar, tivesse eu fumado ou não. Nunca fumou, mas me presenteava com maços de cigarros, Zippos e outros utensílios. Uma loucura.
    Meu grande problema é, e sempre foi, Ceci, minha grande paixão platônica.
    Conheci Ceci há quinze anos, em uma biblioteca, quando ambos saímos para fumar um cigarro. Loira, claro, e inteligente de um jeito que faz você se sentir um idiota, eu a poderia ouvir falando durante horas, mas ela costuma beber tanto que apaga cedo. De vez em quando, ela me liga para irmos a algum boteco beber, porque Ceci adora sentar comigo num boteco para dividirmos algumas garrafas de cerveja. Seu problema é ser lésbica radical. Não é preconceito, mas por causa de sua opção sexual, ela não me beijaria nem se eu fosse o próprio cigarro, enquanto eu fico aqui doido de vontade e me sentindo um babaca adolescente, mesmo com meus cabelos grisalhos.
    Com licença, mas preciso de um cigarro.

quinta-feira, dezembro 8

O vazio e a saudade


    Ontem sai do escritório sem destino, com a cabeça em você, presença constante, que me tomou o raciocínio lógico, e dirigi sem saber direito para onde eu seguia, até que passei em frente àquele bar, naquela esquina onde bebemos cervejas juntas pela última vez. Foi a ultima vez que nos vimos ou que nos falamos. Senti uma pontada diferente, uma saudade de algo que nunca tive, e sem que eu percebesse, ou entendesse direito o porquê, meus olhos queimaram e senti meu corpo todo arder neste inferno no qual você me colocou.
    Estacionei o carro e fiquei ali, em silêncio, quieta, não sei por quando tempo, não reparei, mesmo porque, por você, eu perdi completamente a noção de tempo, de um modo geral. E, no silêncio, deixei o vazio me invadir, deixei a dor maldita me dominar.
    Sai do carro, enfim, e me sentei a uma mesinha do lado de fora do bar, perto da mesa onde a gente se sentou daquela última vez. O bar estava vazio, claro, afinal era segunda-feira, senão por um grupo com cinco amigos – homens bebendo cerveja e fumando e rindo e falando palavrão. E eu ali, do lado, sozinha, me sentindo uma extraterrestre.
    Pedi um rabo de galo ao garçom, mas não bebi - você sabe que odeio rabo de galo. Fiquei apenas sentindo o cheiro da sua boca até ter a perfeita noção de que seus lábios tocavam os meus, naquele beijo enlouquecedor que só você deve saber dar e que eu só provei em sonhos. Junto com o rabo de galo, o garçom me trouxe uma porção de torresmo, com limão, do jeito que você sempre gostou de comer. Pedi também uma cerveja e um maço de cigarros, exatamente como da última vez que estivemos ali. Pena que dessa vez você não estava.
    Aliás, como é isso de me menosprezar, ignorar que te amo, me jogar de lado só porque eu me apaixonei por você? Como é ser o único ser humano que não me deseja? Como é ser quem me faz sofrer as dores de todos os amputados? E por que insiste em me ignorar, em não atender minhas ligações, não responder meus e-mails desesperados clamando pelo direito de ouvir sua voz uma última vez, de ver seus olhos novamente? Cadê a humanidade em você, para me tirar desse fundo de poço em que você mesma me meteu?
    Antes de terminar a cerveja, decidi sair do bar, dar uma volta, ou qualquer coisa para tentar te esquecer. Rodei sem rumo e a necessidade de ver alguém, ver pessoas, me estrangulava. Decidi ir ao Clube 6Sixxx6, o único lugar aberto nas noites de segunda -feiras, e assim, claro, tive que passar na rua das putas. Agora, me diga, por que eu tenho a sensação de que todas elas são muito mais gostosas do que eu? É até difícil entender por que uma mulher gostosa daquele jeito foi virar puta. Talvez por isso que às vezes sinto vontade de passar uma noite na rua, só para ver como é.
    Estava pensando nessas coisas quando uma japonesa, que me lembrou você, mexeu comigo. Eu devia estar com uma cara péssima.
    “Gata, não fica sozinha, não. Vamos sair”, ela disse algo assim. Era linda.
    Sem saber direito o porquê, parei o carro, voltei de ré e perguntei o preço.
    “Para você? Olha, você é tão linda e tão gostosa que te chuparia de graça”, ela disse apoiando-se na porta do carro e deixando assim eu ver os seios lindos e duros dela. Destravei a porta e ela entrou no carro. Fomos até um hotel barato que tinha ali na rua mesmo. Faria bem para mim, sabe, sair com outra mulher, estar com alguém, esquecer um pouco você.
    Mas não esqueci.
    Fiquei de olhos fechados enquanto ela me chupava. Olhos fechados e pensando em você, imaginando que era sua boca em mim. Mas não gozei. Não consegui. Faltava você. Falta você.
    Saímos do hotel e a deixei na esquina onde a encontrei. Ela não quis receber, disse que era puta de palavra, que tinha tido tesão em mim e por isso o fez de graça. Agradeci e dei-lhe um longo beijo na boca de despedida. Só no caminho de volta que percebi: nem perguntei seu nome.
    Parei o carro em frente do meu prédio. Não entrei. Fiquei ali, sozinha, ouvindo Garbage, tensa, sem conseguir sair do carro, sem conseguir ter sono e sem conseguir dormir. Somente quando o Sol nasceu, eu decidi sair de lá, entrar em casa, tomar um banho, trocar de roupa e voltar para o trabalho.
    Está difícil sem você. Insuportável, na verdade. Uma merda você e esse maldito vazio que não me deixa mais viver. Uma merda.